sábado, 13 de agosto de 2011

A Blusa Laranja


A menina não tirava aquela blusa
Laranja como a fruta da laranjeira
Laranja forte        
Laranja chamativo
Laranja agressivo
Laranja berrante
Laranja gritante
Laranja como se fosse
Laranja não azeda, mas doce
Todos a questionavam:
Por que você só usa essa blusa?
Ela respondia:
Por que laranja é lindo
Laranja é cenoura
De cenoura é o bolo da vovó
A vovó é carinho
Laranja é entardecer
Entardecer é por do sol
Por do sol é beleza
Laranja é a cor do fogo
Fogo é calor
Calor é abraço
Laranja é sorriso
Sorriso é amigo
Amigo é felicidade
Nosso coração não devia ser vermelho
Devia ser laranja
Laranja é a cor dos sentimentos!
Mas o tempo passou
A menina chegou à adolescência
Começou a andar com jovens rebeldes
Começou a ouvir música pesada
Começou a usar uma blusa preta
Sua velha blusa laranja
Ficava num canto do quarto, jogada
Começou a sair e voltar de madrugada
Começou a beber e fumar
Começou a drogar-se
Começou a conhecer rapazes mal intencionados
E viver paixões perigosas
Até que adquiriu uma doença terrível
Sua resistência baixou
Seu corpo fraco ficou
Acabou morrendo
Foi enterrada vestida de preto
Sua família chorou rios de lágrimas
E se a blusa laranja tivesse vida
Choraria também.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O Elevador Quebrado



O despertador tocou, incomodando os ouvidos de Éder. Era hora de acordar. Depois de revirar-se mais um pouco no edredom ele levantou-se a contra gosto. Seus pés encontraram os chinelos na beira da cama. Calçou-os. Olhou para os números vermelhos no relógio-despertador. Eram cinco e três da manhã. Levantou-se. O quarto estava escuro mas sua mão não teve dificuldades em encontrar a maçaneta da porta. Saiu para o corredor e foi se arrastando até o banheiro. Urinou, deixando algumas gotas errarem o alvo em razão de ainda estar saindo do sono. Girou a válvula da torneira. Com a mão em concha jogou a água fria no rosto por três vezes. O pequeno choque térmico ajudou seus sentidos a se aguçarem. Olhou-se no espelho. Um homem magro, de cabelos pretos e desarrumados, olhos escuros, barba por fazer e com a cara toda molhada o encarava morbidamente.
Éder riu sozinho, enxugou-se com a toalha de rosto e deixou o banheiro. Chegou até a sua pequena cozinha. Apertou o interruptor e a lâmpada fluorescente acendeu-se. Depois de alguns instantes seus olhos se acostumaram à luz.  Abriu o velho armário e de lá retirou uma chaleira que encheu com a água da pia. Colocou-a sobre uma das bocas do fogão e logo a pequena chama azulada já ardia abaixo dela. Depois de alguns minutos Éder já comia um pão amanhecido com manteiga e bebia um café quentinho. Ele o fazia encostado no peitoril da janela da sala, admirando a rua lá embaixo. Éder morava num apartamento no oitavo andar de um prédio. Ele até que gostava de morar sozinho mas nos últimos dias a idéia de descer todos os dias as escadas para sair cedo não o estava agradando muito. O elevador estava quebrado e o síndico Pereira, um velho que já fora vereador no passado, ainda não havia conseguido resolver aquele pepino.
            Ainda estava escuro lá fora. Somente as lâmpadas de luz alaranjada dos postes iluminavam a rua. A luz do sol iria tardar mais um pouco. Ele não quis ligar a televisão. Ver desgraça logo cedo não é exatamente uma boa maneira de se começar o dia, pensou. De problemas já bastavam os seus. Éder era um advogado e ultimamente estava aturdido com vários processos complicadíssimos. Ele tinha quase certeza de que ia perder umas duas, três causas. Ele se formara recentemente e ainda não possuía experiência para pleitear na justiça contra os engravatados mais experientes, “os macacos velhos” como ele costumava chamá-los. Para piorar ele trabalhava em um escritório quase do outro lado de São Paulo. O trajeto até lá era demorado mesmo quando ele não pegava engarrafamentos. Ele costumava chegar lá as sete e pouco quando nada dava errado.
            Tomou uma ducha rápida depois do desejum. Sua mãe costumava dizer que não se deve entrar debaixo do chuveiro imediatamente após se comer ou beber café. Ela dizia que a boca entortava. Bobagem. Éder não acreditava naquelas histórias vindas da roça e tomava banho após as refeições apenas se importando com a conta de água.
            Rapidamente enxugou-se, vestiu seu costumeiro terno cinza, calçou seus costumeiros sapatos de couro preto sintético, escovou os dentes e pegou sua maleta. Fechou o gás, desligou todas as tomadas deixando apenas a do telefone na força, verificou se o chuveiro não estava pingando e trancou o apartamento.
Eram cinco e meia. Não havia ninguém nos corredores ainda. Era possível que ninguém estivesse acordado no edifício a não ser ele e o porteiro na guarita lá embaixo, o Zé. Éder passou pelo elevador quebrado. As duas folhas metálicas estavam unidas e uma placa amarela com letras pretas estava grudada a porta com o seguinte dizer: FORA DE USO. Ele soltou um muxoxo e continuou caminhando. Então Éder escutou. Um barulho abafado. Estacou. Esperou alguns instantes. O ruído repetiu-se. Repetiu-se novamente e novamente, em intervalos regulares de quinze ou catorze segundos. Ele percebeu que vinham detrás dele. Voltou-se. Andando lentamente foi seguindo aquele som esquisito. Descobriu que vinha de dentro do elevador desativado.
_O que será isso? _ perguntou-se.
As batidas continuaram. Éder encostou o ouvido na porta do elevador para ouvir melhor. Seria alguma peça defeituosa a causar aquele distúrbio? Ou será que poderia ser uma pessoa? Será que alguém poderia estar preso dentro daquele elevador?Somente pensar em tal possibilidade já deixou Éder agitado. Ele começou a esmurrar freneticamente a porta gritando:
_Tem alguém aí? Está preso? Responda!
As batidas estavam se tornando cada vez mais altas. Agora já eram pancadas. Éder continuava esmurrando a entrada do elevador, clamando por alguém que pudesse estar aprisionado lá dentro. Então de repente algo surpreendente aconteceu. Os barulhos cessaram. A placa amarelada de FORA DE USO subitamente desprendeu-se da porta do elevador e saiu voando pelo corredor, como um frisbee, e foi quebrar uma janela ao longe. Éder, sentindo medo, afastou-se do elevador. Então de supetão a grande porta metálica se escancarou. Uma ventania poderosa escapou do poço profundo. Uma corrente de ar que puxava Éder com uma violência terrível. Sua maleta de documentos escapou de sua mão e foi tragada pela escuridão. Seu cabelo e suas roupas se agitavam loucamente. As luzes piscavam sem parar. Ele tentava resistir mas o vento era forte demais.  As trevas daquele grande buraco eram irrefutavelmente perturbadoras. Aquele negrume não era simplesmente ausência de luz. Era algo pior. Muito pior. Uma porta para alguma dimensão estranha perdida entre o limiar da realidade e dos pesadelos mais tenebrosos. Por fim não agüentando a impetuosa força do vento Éder sucumbiu.
 _Nãoooooo! _ foi seu grito final.
O jovem advogado Éder desapareceu naquele poço. Após muitos dias sem notícias sobre o paradeiro dele os moradores do prédio chamaram a polícia. Pelas câmeras de segurança do local os peritos da criminalística puderam constatar que ele deixou seu apartamento na manhã de terça-feira como de costume e se dirigiu as escadas já que o elevador estava quebrado naquela ocasião. Porém Éder nunca chegou às escadas. Presumindo que por alguma razão ele tivesse tentado utilizar o elevador e caído no poço os policiais analisaram aquela área. Foram encontradas impressões digitais de Éder na porta do elevador e uma janela quebrada no fim daquele corredor. O corpo de Éder não foi achado no fundo do poço nem em lugar nenhum. Não obstante a câmera que deveria filmar o caminho que Éder supostamente fez indo para as escadas passando pelo elevador estava quebrada. O edifico foi investigado arduamente. A placa de aviso que fora fixada ao elevador foi encontrada perto da guarita do porteiro do prédio, o que não revelava muita coisa. Várias pessoas foram ouvidas. Várias hipóteses foram cogitadas. Várias linhas de investigação foram tentadas. Mas nada jamais foi descoberto. Por fim o inquérito foi arquivado e o caso esquecido. Muita gente se mudou daquele prédio. O lugar ficou com péssima fama. Ninguém sabe e provavelmente nunca saberá o que realmente aconteceu com Éder Pereira de Melo no dia 06 de Junho de 2006. Nem todas as questões podem ser respondidas apenas com racionalidade. Vá entender...

sábado, 6 de agosto de 2011

Verdades da Guerra



           21 de Maio de 1940.  Meu nome é Dilermando Goulard e eu sou um soldado francês defendendo meu país. Porém eu já não faço mais isso por patriotismo. Faço por que se resolver fugir serei dado como desertor e fatalmente morto. E eu ainda não desejo morrer. Minha maravilhosa esposa Sidney me espera em casa com nosso lindo filho Marlon. Eu tenho esperanças que ainda os verei novamente. Por sorte essa guerra atroz ainda não conseguiu apagar completamente minha fé em Deus.
            Porém uma coisa que eu perdi completamente foi meu patriotismo. Antes eu era só mais um peixeiro de Paris. Só que amava cegamente minha nação. Toda vez que via as forças armadas desfilarem pelas ruas sentia um fogo ardente em meu coração. Viver pela pátria devia ser a melhor coisa do mundo, pensava eu.
            Quando fui convocado pensei que estava tendo uma oportunidade de ouro. Engano. Hoje, depois de ter presenciado tantos horrores no campo de batalha percebo que nenhuma condecoração militar vale nada se você perder uma perna ou um braço. Coragem, bravura? Uma bala ou uma mina terrestre pode acabar com tudo isso num mero segundo. De que valerão tiros para o alto na hora do seu enterro se sua família passar o resto da vida desamparada? Tapinhas nas costas não garantem que você terá um sono tranqüilo de noite, livre de pesadelos com os fantasmas daqueles cujo sangue cobre suas mãos.
            Recordo-me agora de quando durante uma batalha subi em um tanque nazista, abri sua escotilha e joguei uma granada em seu interior. Depois saltei de cima dele e corri depressa para longe. O veículo explodiu de dentro para fora. Os alemães ficaram desfalcados e recuaram. Meu esquadrão comemorou.
            De noite em nosso forte nós celebramos a vitória daquele dia. Bebemos e rimos muito, fazendo piada do bigode de Adolf Hitler. O general cumprimentou-me pelo meu ato em combate e chamou-me herói.
            No entanto, naquela madrugada, eu não conseguia dormir em meu leito. Ficava a pensar nos parentes dos homens que estavam no tanque que eu destruíra. Será que eles tinham mulher e filhos como eu? Será que eles também ansiavam o término daquela tenebrosa guerra para retornarem aos seus lares?
            Então eu cheguei à seguinte conclusão: eu não era nenhum herói como o general havia dito. Não, não era. Na guerra não existem heróis. Existem somente os que matam e os que são mortos. Os que matam ficam conhecidos como heróis. Os que são mortos são chamados de vilões.  

Vou Escrevendo...

Vou escrevendo...
Voando segue meu pensamento
Por reinos fantásticos viajo
Vagando pelo espaço
Coragem, maldade
Mentira, verdade
Aventura, desventura
Heróis e vilões
Planos e confusões
Mergulho profundamente
Na página a minha frente
Vou escrevendo...
Me perdendo...
O som das teclas é uma cantiga
As letras já são minhas amigas.