sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O Elevador Quebrado



O despertador tocou, incomodando os ouvidos de Éder. Era hora de acordar. Depois de revirar-se mais um pouco no edredom ele levantou-se a contra gosto. Seus pés encontraram os chinelos na beira da cama. Calçou-os. Olhou para os números vermelhos no relógio-despertador. Eram cinco e três da manhã. Levantou-se. O quarto estava escuro mas sua mão não teve dificuldades em encontrar a maçaneta da porta. Saiu para o corredor e foi se arrastando até o banheiro. Urinou, deixando algumas gotas errarem o alvo em razão de ainda estar saindo do sono. Girou a válvula da torneira. Com a mão em concha jogou a água fria no rosto por três vezes. O pequeno choque térmico ajudou seus sentidos a se aguçarem. Olhou-se no espelho. Um homem magro, de cabelos pretos e desarrumados, olhos escuros, barba por fazer e com a cara toda molhada o encarava morbidamente.
Éder riu sozinho, enxugou-se com a toalha de rosto e deixou o banheiro. Chegou até a sua pequena cozinha. Apertou o interruptor e a lâmpada fluorescente acendeu-se. Depois de alguns instantes seus olhos se acostumaram à luz.  Abriu o velho armário e de lá retirou uma chaleira que encheu com a água da pia. Colocou-a sobre uma das bocas do fogão e logo a pequena chama azulada já ardia abaixo dela. Depois de alguns minutos Éder já comia um pão amanhecido com manteiga e bebia um café quentinho. Ele o fazia encostado no peitoril da janela da sala, admirando a rua lá embaixo. Éder morava num apartamento no oitavo andar de um prédio. Ele até que gostava de morar sozinho mas nos últimos dias a idéia de descer todos os dias as escadas para sair cedo não o estava agradando muito. O elevador estava quebrado e o síndico Pereira, um velho que já fora vereador no passado, ainda não havia conseguido resolver aquele pepino.
            Ainda estava escuro lá fora. Somente as lâmpadas de luz alaranjada dos postes iluminavam a rua. A luz do sol iria tardar mais um pouco. Ele não quis ligar a televisão. Ver desgraça logo cedo não é exatamente uma boa maneira de se começar o dia, pensou. De problemas já bastavam os seus. Éder era um advogado e ultimamente estava aturdido com vários processos complicadíssimos. Ele tinha quase certeza de que ia perder umas duas, três causas. Ele se formara recentemente e ainda não possuía experiência para pleitear na justiça contra os engravatados mais experientes, “os macacos velhos” como ele costumava chamá-los. Para piorar ele trabalhava em um escritório quase do outro lado de São Paulo. O trajeto até lá era demorado mesmo quando ele não pegava engarrafamentos. Ele costumava chegar lá as sete e pouco quando nada dava errado.
            Tomou uma ducha rápida depois do desejum. Sua mãe costumava dizer que não se deve entrar debaixo do chuveiro imediatamente após se comer ou beber café. Ela dizia que a boca entortava. Bobagem. Éder não acreditava naquelas histórias vindas da roça e tomava banho após as refeições apenas se importando com a conta de água.
            Rapidamente enxugou-se, vestiu seu costumeiro terno cinza, calçou seus costumeiros sapatos de couro preto sintético, escovou os dentes e pegou sua maleta. Fechou o gás, desligou todas as tomadas deixando apenas a do telefone na força, verificou se o chuveiro não estava pingando e trancou o apartamento.
Eram cinco e meia. Não havia ninguém nos corredores ainda. Era possível que ninguém estivesse acordado no edifício a não ser ele e o porteiro na guarita lá embaixo, o Zé. Éder passou pelo elevador quebrado. As duas folhas metálicas estavam unidas e uma placa amarela com letras pretas estava grudada a porta com o seguinte dizer: FORA DE USO. Ele soltou um muxoxo e continuou caminhando. Então Éder escutou. Um barulho abafado. Estacou. Esperou alguns instantes. O ruído repetiu-se. Repetiu-se novamente e novamente, em intervalos regulares de quinze ou catorze segundos. Ele percebeu que vinham detrás dele. Voltou-se. Andando lentamente foi seguindo aquele som esquisito. Descobriu que vinha de dentro do elevador desativado.
_O que será isso? _ perguntou-se.
As batidas continuaram. Éder encostou o ouvido na porta do elevador para ouvir melhor. Seria alguma peça defeituosa a causar aquele distúrbio? Ou será que poderia ser uma pessoa? Será que alguém poderia estar preso dentro daquele elevador?Somente pensar em tal possibilidade já deixou Éder agitado. Ele começou a esmurrar freneticamente a porta gritando:
_Tem alguém aí? Está preso? Responda!
As batidas estavam se tornando cada vez mais altas. Agora já eram pancadas. Éder continuava esmurrando a entrada do elevador, clamando por alguém que pudesse estar aprisionado lá dentro. Então de repente algo surpreendente aconteceu. Os barulhos cessaram. A placa amarelada de FORA DE USO subitamente desprendeu-se da porta do elevador e saiu voando pelo corredor, como um frisbee, e foi quebrar uma janela ao longe. Éder, sentindo medo, afastou-se do elevador. Então de supetão a grande porta metálica se escancarou. Uma ventania poderosa escapou do poço profundo. Uma corrente de ar que puxava Éder com uma violência terrível. Sua maleta de documentos escapou de sua mão e foi tragada pela escuridão. Seu cabelo e suas roupas se agitavam loucamente. As luzes piscavam sem parar. Ele tentava resistir mas o vento era forte demais.  As trevas daquele grande buraco eram irrefutavelmente perturbadoras. Aquele negrume não era simplesmente ausência de luz. Era algo pior. Muito pior. Uma porta para alguma dimensão estranha perdida entre o limiar da realidade e dos pesadelos mais tenebrosos. Por fim não agüentando a impetuosa força do vento Éder sucumbiu.
 _Nãoooooo! _ foi seu grito final.
O jovem advogado Éder desapareceu naquele poço. Após muitos dias sem notícias sobre o paradeiro dele os moradores do prédio chamaram a polícia. Pelas câmeras de segurança do local os peritos da criminalística puderam constatar que ele deixou seu apartamento na manhã de terça-feira como de costume e se dirigiu as escadas já que o elevador estava quebrado naquela ocasião. Porém Éder nunca chegou às escadas. Presumindo que por alguma razão ele tivesse tentado utilizar o elevador e caído no poço os policiais analisaram aquela área. Foram encontradas impressões digitais de Éder na porta do elevador e uma janela quebrada no fim daquele corredor. O corpo de Éder não foi achado no fundo do poço nem em lugar nenhum. Não obstante a câmera que deveria filmar o caminho que Éder supostamente fez indo para as escadas passando pelo elevador estava quebrada. O edifico foi investigado arduamente. A placa de aviso que fora fixada ao elevador foi encontrada perto da guarita do porteiro do prédio, o que não revelava muita coisa. Várias pessoas foram ouvidas. Várias hipóteses foram cogitadas. Várias linhas de investigação foram tentadas. Mas nada jamais foi descoberto. Por fim o inquérito foi arquivado e o caso esquecido. Muita gente se mudou daquele prédio. O lugar ficou com péssima fama. Ninguém sabe e provavelmente nunca saberá o que realmente aconteceu com Éder Pereira de Melo no dia 06 de Junho de 2006. Nem todas as questões podem ser respondidas apenas com racionalidade. Vá entender...

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