O Cinzeiro de
Deus. Que piada da existência! Vista Velha, o distrito onde viveram os mais
devotos tehlinianos de Imre de todos os tempos havia sido engolido por um
incêndio acidental repentino e para várias famílias, fatal. Uns diziam que a
causa havia sido uma explosão em uma forja, outros contavam que uma simples
vela e uma dose de desatenção haviam sido os iniciadores das chamas. Era noite.
Quando o povo percebeu as labaredas já haviam se espalhado assustadoramente.
Houve sobreviventes mas também muitos mortos. Entre os que escaparam, vários
tiveram sequelas irreparáveis, dentre os quais muitos se tornaram aleijados e
alguns enlouqueceram. Registraram-se suicídios. Eu sabia de um indivíduo no
Aluadouro que escapara de ser queimado vivo. Mantinham-no em uma sala livre de
qualquer material que pudesse inflamar caso contrário ele surtava e começava a
proferir insultos e blasfêmias sem igual. Tratava-se de um quadro muito severo.
Pobre infeliz.
E lá estávamos nós quatro, caminhando sobre os
escombros queimados de dezenas de lares do passado. O mato conseguira crescer
em alguns pontos isolados mas a grande parte do solo ficara estéril graças ao
calor extremo daquela fatídica noite. As construções onde a matéria prima
principal foram blocos de barro ou rocha remanesciam porém escurecidas, como um
lembrete da desgraça passada. Se não havia espíritos atormentados assombrando o
Cinzeiro de Deus pelo menos o espírito de quem passava por aquele canto malvisto
da cidade podia atormentar-se um pouco. Isto não era invencionice.
_Como
encontraremos O Sem Nome? _ questionei meus companheiros.
O bairro era relativamente grande e havia
cerca de duas dúzias de construções restantes onde nosso inimigo comum poderia
estar.
_Isso é fácil. _ disse Alphonse _ Ele
certamente estará onde sua quimera estiver. Então só precisamos descobrir onde
a quimera está e o localizaremos. Temos que atraí-la e ver de onde surgirá!
_Acho que sei como podemos fazer isto. _ disse
Ed.
O Alquimista de Aço retirou de dentro de seu
sobretudo um tubo de ensaio de conteúdo amarelado fechado com uma rolha. Ele o
destampou e disse:
_Essa substância é a evidência encontrada nos
cenários dos raptos. Kvothe, respondendo a sua pergunta na casa de Devi, uma
quimera é um ser sintetizado a partir de dois ou mais organismos diferentes
através de alquimia. É uma prática proibida em meu país por ferir gravemente a
bioética. A quimera que procuramos é um tipo de predador que tem a habilidade
de caça de incapacitar suas presas expelindo nelas este líquido paralisante.
Agora, adicionando isto... _ Ed tira um saquinho da cintura, rompe sua
amarração com os dentes e derrama um pó branco no tubo. A substância passa da
cor amarelo para o verde e começa a reluzir fortemente. Ele então se abaixou e
despejou a fórmula na terra seca. Um cheiro acre preencheu o ambiente.
_Isto
deve funcionar. _ falou Ed.
Tempi
observava a tudo com seu ar ausente de afetos. Eu não estava externalizando mas
meu nervosismo era forte. Então ouviu-se um ruído bestial cortar a atmosfera.
Um rugido. O luar iluminou-a.
_No
alto da igreja! _ apontei.
Uma assustadora forma estava encarapitada no
alto da parte frontal do templo semidestruído, como uma estátua de gárgula. O
monstro emitiu outro som selvagem e alçou voo, vindo veloz na direção de nosso
grupo. A medida que se aproximava pude-a distinguir melhor. Possuía tronco e
braços humanos, pernas de bode, um par de longas asas marrons de ave de rapina
brotava de suas costas e sua cabeça era a de um gorila. Voava como uma flecha.
Pelo menos um de nós não escaparia. Alphonse então pulou na frente de todos e
com seu enorme corpo de aço segurou a quimera com um abraço poderoso. Ele foi
empurrado para trás mas seus pés, firmes ao chão, deslizaram apenas uns poucos
metros.
_Vão! Depressa! Para a igreja! O Sem Nome está
lá! Depois os alcançarei! _ gritou a armadura.
_Mas
Al... _ Ed não queria deixá-lo.
_Mano, você precisa ir! Se este alquimista
estiver trabalhando no que pensamos que está cada segunda conta para detê-lo!
Agora vá! Eu os alcançarei depois! _ gritou Alphonse com a fera mutante
debatendo-se entre o aperto de seus braços.
_Se você morrer eu lhe mato Al! _ berrou Ed e
disparou rumo a igreja. Tempi e eu o seguimos.
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