sábado, 13 de agosto de 2016

Palavra de Aço - Capítulo 4: Transmutação



Havia inúmeras dúvidas em minha mente.
_O que é transmutação humana? _ perguntei.
O rosto de Ed passou de sério para sombrio. Ele abriu e fechou a palma de sua mão automática, olhando-a fixamente. Em seguida disse:
_Mostre para ele Al.
Alphonse descruzou os braços. Ele segurou os lados de seu capacete e o puxou para cima. Não havia uma cabeça ali. Nada. A grande armadura estava vazia. Tempi se afastou um pouco do equipamento com vida própria e me disse em seu idioma:
Homem sem corpo. Homem com partes de ferro. Grande pecado. Castigo dos deuses. 
_Isso é.... _ eu estava totalmente perplexo. Um dracus era uma coisa, mas aquilo? Devi riu baixinho. Ela já soubera e por isso rira de meu primeiro contato com Alphonse.
_Impossível? _ perguntou Ed _ Não. Este é um dos horríveis resultados que tentar realizar uma transmutação humana pode produzir: mutilação. Meu braço e minha perna se incluem nisso. Vou te explicar sucintamente: na alquimia existe um princípio chamado Lei da Troca Equivalente. Você só pode transmutar uma coisa em outra se o valor daquilo que você tem e o valor daquilo que você quer criar forem os mesmos. Para criar uma parede de gelo preciso de um total de água igual ao total de massa que desejo que a parede possua. Isso envolve muito raciocínio. Também é preciso muita perícia ao se utilizar um círculo de transmutação. 
_E o que seria um círculo de transmutação? _ perguntou Devi. 
Dessa vez foi Alphonse que falou, com sua vozinha abafada, ainda segurando sua “cabeça” do lado do corpo, numa figura bizarra:
_É um padrão geométrico que serve como portal. Todas as trocas da alquimia são feitas em uma dimensão paralela a nossa. Eles funcionam através de energia sísmica pareada com a força vital do alquimista. Por causa disso é necessário ser dotado de uma grande resistência física e mental antes de pensar-se em realizar uma troca. Quando o círculo é totalmente carregado ele envia a matéria para a dimensão paralela que devolve o equivalente valorativo. 
Transmutação? Erguer uma parede de água condensada instantaneamente?
Dimensão paralela? Eu achava aquilo fantasioso demais!
_Vocês poderia demonstrar rapidamente isto? _ perguntei. 
            _Sim, demonstrem. _ pediu Devi, com os olhos destilando interesse.  
            _Vá em frente Al. _ incentivou Ed.
_Está bem. _ disse Alphonse.
O grande autômato tirou um pedaço de giz branco da cintura, ficou entre a cadeira de Edward e a minha e começou a desenhar algo na mesa de Devi. Logo a figura se revelou um complexo círculo preenchido por inúmeros sinais e inscrições que eu não compreendia. Quando Alphonse terminou pediu:
_Me deem alguma coisa que seja feita de um único material.
Devi abriu uma de suas gavetas e tirou dali uma placa de vidro comum e deu-a a Alphonse que a depositou no centro da figura que fizera. Então ele bateu as duas mãos, como se fosse rezar e em seguida as colocou dentro do grande símbolo. Todos os pelos do meu corpo se arrepiaram e senti uma espécie de magnetismo no ar. As linhas começaram a emitir uma luz azul e raios dançavam dentro da área do círculo de transmutação. De repente houve uma explosão branca de pressão. 
_Pelo corpo enegrecido de Deus! Querem fazer minha casa ir pelos ares?! _ gritou Devi enfurecida no meio da fumaça clara. 
Mas quando a nuvem se dispersou nada havia sido destruído. Mas havia algo que mudara. No centro do círculo de transmutação não havia mais um retângulo de vidro mas sim um pequeno monte de areia. Sim. Alphonse Elric fizera! Ele revertera uma estrutura alterada ao seu estado elementar. Eu não conseguia processar aquilo. Eu sempre achei que a Universidade fosse o centro de todo o conhecimento. Ali, vi que sempre subestimei os saberes de outros cantos do mundo. A alquimia de Amestris era muito mais desenvolvida que a que eu aprendera com Mestre Brandeur. A transmutação tinha um potencial tão poderoso quanto a nomeação.
_Há alguns alquimistas mais talentosos que conseguem fazer isso sem o círculo.
_ disse Alphonse. 
Todos continuavam bestificados. Devi fitava a areia diante de si emudecida. Tempi demonstrava inquietação e sinalizou:
Arte profana. Natureza inviolável. Imprudência da altura dos picos dos Montes Tempestuosos.  
Devi conseguiu sair de seu estado de surpresa e logo perguntou:
_Quanto vocês querem para me ensinar isto? Digam! Vamos, eu pago na moeda amestrina se for necessário! Só me ensinem a fazer coisas como esta!
Alphonse colocou as mãos na cintura, mostrando indignação. Edward balançou o dedo de sua mão normal, coberta por uma luva branca, negativamente. 
_Porquê não? _ indagou ela.
_Porque achamos que devido à natureza do seu trabalho pode acabar utilizando a Alquimia como um meio para fins duvidosos.
_O que quer dizer com isso?
_Você me entendeu. 
_Seu... baixinho abusado!
Edward ficou lívido.
_Oh oh... _ murmurou Alphonse
Em seguida se levantou roxo de raiva e apontando seu dedo articulado para Devi gritou:
_QUEM VOCÊ ESTÁ CHAMANDO DE ANÃO?!
Devi sorriu com escárnio e falou:
_Eu não pronunciei a palavra “anão” mas ela lhe cai como uma luva. 
Ed parecia a ponto de estourar como um explosivo aceso. 
 _Eu devia... _ ele quis se precipitar por cima da mesa para agredir Devi mas seu irmão o segurou pelo sobretudo. 
Envolvido pelos braços da armadura o Alquimista de Aço praguejava descontroladamente. Alphonse pediu:
_Ed, não leve tão a sério assim.
Desse modo conheci um dos aspectos mais marcantes da personalidade de Edward Elric: ele não lidava nada bem com insultos relacionados a sua estatura. Foi difícil apaziguar os nervos dele. 
             Quando os ânimos se acalmaram depois de alguns minutos retomei a conversa:
_E o que exatamente ocorre na transmutação humana? 
Ed voltou a falar:
_Existe uma regra básica na alquimia: transmutar somente elementos inorgânicos. Esta regra existe porque a única coisa que interferir nos processos que envolvem a vida pode gerar é desastre. Quando éramos crianças Alphonse e eu ousamos quebramos esse tabu e pagamos um alto preço como vocês podem ver. _ Ed chacoalhou pateticamente a palma do automail _ Agora sou dependente destas coisas para andar e realizar tarefas simples enquanto a alma de Al está presa nessa armadura em razão de seu corpo ter sido perdido na transação alquímica. 
Eu vi tristeza e culpa nos olhos do Alquimista de Aço. 
_A Lei da Troca Equivalente é a lei da Verdade do Universo. Essa Verdade é indiferente aos nossos erros ou acertos. Ela sempre buscará estabelecer um equilíbrio, não importando a maneira como compreendamos isto.
Silêncio. 
_Mano... _ Alphonse colocou uma mão sobre o ombro esquerdo de Ed, fraternamente. 
Devi, Tempi e eu pudemos compreender. O que quer que houvesse acontecido de fato na vida daqueles dois irmãos fora terrível. Eu não fazia a mínima ideia de como a alma de Alphonse estava ligada a armadura mas pude imaginar o quanto era doloroso para Ed ver o irmão naquela condição. 
_O fato é que O Alquimista Sem Nome está agindo nessa cidade com o auxílio da mesma quimera que usava em nosso país. _ disse Alphonse, reestabelecendo a conversação. 
_O que é uma quimera? _ perguntei.
_Para explicar claramente necessitaríamos de um tempo com o qual não contamos. _disse Ed _ Segundo a guarda da cidade até agora suas vítimas somam 12 pessoas no total. Devido à forma como O Sem Nome atua pensamos que ele pode estar tentando realizar uma transmutação humana em massa com alguma finalidade específica. Temos alguns palpites do que seja e não são nada bons. Alquimistas fora da lei sempre querem coisas perigosas. Lembra-se do Alquimista de Gelo Al?
_Nem me fale Ed. _ emendou Al.

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