sábado, 13 de agosto de 2016

Palavra de Aço - Capítulo 6: O cheiro do acaso



Eram altas horas da noite. Ed, Alphonse, Tempi e eu atravessávamos a cidade de telhado em telhado, sorrateiramente, por uma rota que eu conhecia em razão de minhas peripécias. Quatro sujeitos como nós caminhando pela rua despertariam muita atenção. Eu havia deixado meu alaúde com Devi. Ela considerava seu auxílio como um investimento e queria alguma garantia caso morrêssemos na missão. Ed havia deixado seu relógio de Alquimista do Estado.      
 Estávamos na metade do caminho para o Cinzeiro de Deus quando minha visão periférica notou algo. Uma garota nos observava do alto de uma chaminé ao longe. Ela vestia um vestido azul gasto, era pálida, como se não tomasse muito sol e era dona de uma cabeleira loira rebelde que esvoaçava ao sabor da brisa noturna.
            _Auri! _ exclamei. 
            O que ela fazia ali?
 _É uma amiga minha. Preciso ver o que ela quer. Ela não apareceria dessa forma sem uma razão específica. Auri é muito tímida e caso vocês, desconhecidos, se aproximem talvez ela fuja. Por favor me esperem aqui.   
            Nenhum de meus três companheiros fez objeção. Caminhei com cuidado entre as telhas, pulei uns três telhados, saltei dois becos, subi uma calha e cheguei até Auri.
            _Auri, que surpresa te ver hoje!
            _Olá. Está sentindo?
            _Sentindo o quê? 
            _O cheiro?
            _O seu? Ah... sim! Está muito agradável! _ Eu não menti. 
             Ela corou, deu um sorriso sapeca e falou com graça:
            _Não bobo, não o cheiro do sabão. O cheiro desta noite. Não sente?
 _Não. Acho que meu nariz não é o mesmo depois de tantos experimentos químicos com Mestre Mandrag. Eu sou um pouco desleixado com a máscara de proteção...
             _Esta noite está cheirando a acaso. _ disse Auri olhando para a lua cheia. 
            _Acaso?
_Sim. Quando as coisas do mundo se movem e não dão explicação para o coração. Nessas noites as coisas que são certas vão embora e somente as incertas ficam assentadas sobre seus tapetes cor de destino fosco no agora-aqui.
Auri se comunicava de uma forma diferente. As vezes o que ela falava era engraçado, as vezes era bonito e outras vezes era misterioso. Por mais que eu conhecesse Auri ainda tinha sempre a impressão de que sabia muito pouco a respeito dela.
_Porque você está aqui Auri? _ perguntei.
_O professor que passeia pelo alto das coisas me disse que você vai encontrar o que se esconde no negro do perigo. Ele disse que você pode ou não retornar. Mas disse também que acredita nos sussurros das bocas do contrário do oeste.
Eu logo entendi. Elodin. Era por isso que ele me mandara ajudar os irmãos alquimistas. Ele ouvira os boatos que vinham de Vintas e também parecia saber de mais do que só os boatos contavam. O olhar. Um de seus modos de olhar que fazia qualquer um esquecer seu ar despreocupado do dia a dia. Um olhar que perscrutava as profundezas do que olhava. Olhar de Nomeador-Mor. Desde que eu voltara de minha viagem ele vinha me olhando assim, dessa forma diferente, como se pudesse me ler e compreender que passei por coisas que os rumores sobre “O Arcano” não chegavam nem perto de descrever. Era por isso que Elodin acreditava que ao lado dos Elric eu teria chances contra o Alquimista Sem Nome. Ele encarava tudo aquilo como uma aula de nomeação, uma nova oportunidade de testar minhas capacidades.
_Elodin é um professor irresponsável. Um sábio professor irresponsável que tem um aluno ainda mais irresponsável. _ Ri eu.
_Ele me pediu te entregar isto. _ Auri se sentou sobre a chaminé sobre a qual estava e retirou de dentro dela algo comprido. 
Tratava-se de Cesura, minha espada ademriana, envolta em sua bainha, lembrança de meu treinamento com Haert. Como Mestre Elodin sabia que eu a possuía?! Era um dos meus maiores segredos! Seja como for, eu não obteria a resposta para isso naquela situação.  Acabei gostando de Elodin tê-la enviado através de Auri. Eu me sentia mais confiante de encarar nosso adversário com mais do que apenas meu arcanismo de Re’lar.
_Muito Obrigado Auri. Agradeça ao Mestre por mim. Agora tenho que ir. Me deseje sorte.
Eu prendi minha espada firmemente a cintura e dei um abraço apertado em Auri. Quando a soltei vi seus olhos úmidos. Ela disse:
_Se a garganta do medo querer lhe beber lembre-se dos seus tesouros. Todo mundo tem os seus. Volte por eles. Precisam de você.
Eu sabia que ela falava de algo maior do que simples objetos. Como eu a queria bem! 
Vi Tempo gesticulando ao longe nos telhados:
Pressa. Foco. Missão.
_Eu me lembrarei Auri. Até breve.

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