sábado, 13 de agosto de 2016

Palavra de Aço - Capítulo 3: O Alquimista de Aço



Meia hora depois cheguei na conhecida viela de odor desagradável atrás do açougue. Subi as escadas e bati na porta da mulher que tantas vezes me fizera empréstimos. A porta se entreabriu, ainda presa por várias travas. Devi me olhou de esguelha.

            _Ah... é você. Entre.

 Ela soltou as trancas e me deu passagem. Trajava somente uma camisola laranja e estava descalça. Seu cabelo loiro avermelhado estava amarrado em um pequeno coque, atravessado por um palito de madeira. Ela estava simples, mas linda. 

 Quando entrei em seu escritório me deparei com uma grande armadura montada no meio do aposento. 

 _Uau! _ exclamei _ Agora além de livros raros você também está adquirindo artefatos antigos? Que peça fantástica!

          _Eu agradeço pelo elogio. _ disse uma voz fina, vinda do interior do equipamento. 

            Surpreendi-me. Não esperava por aquilo. O homem dentro da armadura devia ser enorme, apesar da voz. 

            _Ora... me desculpe eu não sabia que...

            Devi, que já havia fechado a porta, riu com vontade atrás de mim. 

             _Pelos dedos de Tehlu, que situação mais absurda! _ zombou.

 Ela rodeou o aposento e foi sentar-se atrás de sua mesa. Um pequeno círculo chamuscado se desenhava no meio do móvel, lembrança de um interrogatório difícil entre nós. Só então eu notei que havia alguém sentado diante dela, na cadeira que muitas vezes eu ocupara. Era um jovem baixo, de cabelos dourados, presos num rabo de cavalo. Trajava um sobretudo vermelho e calças e botas muito escuras. De costas não podia ver seu rosto. Havia uma segunda cadeira ao seu lado.

            _Sente-se. _ disse Devi

 Obedeci. O rapaz ao meu lado tinha olhos castanhos e o rosto emoldurado por franjas carregado de uma expressão séria. O sujeito de armadura cruzou os braços atrás de nós, fazendo um ruído metálico. 

 _Kvothe, O Sem-Sangue, quero que conheça Edward, O Alquimista de Aço. _ apresentou Devi.

 “Alquimista de Aço” ?! Que raio de nome era aquele? Parecia saído de uma das histórias que eu ouvira em minha infância, como as do Grande Taborlin! Quem era aquele garoto, parecendo mais novo do que eu, para ter um título como aquele? Estendi a mão.

_Prazer. Kvothe, filho de Arliden. 

Ele apertou minha mão. 

_Edward Elric. Me chame de Ed se for mais fácil. O prazer é todo meu. Este é Alphonse, meu irmão. _ disse indicando com a cabeça o de armadura.

_Olá. _ cumprimentou Alphonse.

Só então notei uma coisa. A mão de Edward era anormalmente fria e sua textura era estranha. Quando a olhei melhor tomei um susto: ela era feita de puro metal! 

Quando recolhemos os braços não pude resistir e perguntei:

_O que há com sua mão?

Ele sorriu, parecendo um pouco desconfortável, puxando a manga do sobretudo e revelando que todo o seu braço direito não era de carne e osso mas um grande aparelho de formas anatômicas.

_Isto... _ explicou Ed _ é um automail. É uma prótese mecânica de alta tecnologia.

Também tenho um na minha perna esquerda. 

_Nunca vi um trabalho de siglística igual. _ observei.

_Siglística?! O que é isto? 

_Parem, parem, parem... _ interrompeu Devi _ Se vocês dois começarem a conversar sobre ciências vai amanhecer e não teremos resolvido nada.  

Fez-se silêncio. 

_ Fale Ed. _ pediu a usurária.

Edward se empertigou na cadeira e começou a falar:

_Bem... somos de Amestris, um país ao leste, a milhares de milhas além da cadeia de montanhas que vocês chamam de Montes Tempestuosos. Somos Alquimistas do Estado. Meu superior, Roy Mustang, nos enviou para cá atendendo a um pedido do Reitor da Universidade Arcanum a fim de que nós investigássemos uma série de sequestros aparentemente relacionados a alquimia que vem ocorrendo nesta cidade. Viajamos com um lutador que contratamos como guia e guarda-costas. A propósito... onde ele está?

_Está praticando uma coreografia esquisita no cômodo ao lado. _ observou Devi _Já faz um bom tempo. 

Então ouviram-se passos. Tempi entrou no escritório. Ele estava nu da cintura para cima, usando suas calças muito vermelhas, presas por grossas tiras de couro. Estava sem botas. Sua blusa, no mesmo estilo, ia pendurada em seu ombro. O suor fazia seus músculos peitorais e abdominais luzirem. O cabelo cor de areia grudava-se em sua testa. Sua face exibia serenidade. 

Eu pensei em me levantar para ir apertar-lhe a mão mas imediatamente me lembrei dos costumes ademrianos. Controlei minhas expressões e com as mãos fiz sinais na língua silenciosa.

Surpresa agradável. Amigo querido. Profunda saudade. Grande alegria.

Tempi respondeu, também na linguagem de sinais:

Amizade recíproca. Nostalgia. Reencontro do destino. Grande alegria partilhada.  

Os dizeres sem palavras prosseguiram:

Você praticava a Ketan?

Sim.

E interromper a Ketan não é aquilo que não é da Lethani?

Não quando aquele que o salvou do exílio, provando ser digno da Lethani, faz-se presente e necessita ser cumprimentado como irmão do Ademre.

Era mesmo muito bom rever Tempi. 

_ Pelos anjos! Que visão magnífica! _ exclamou Devi

Só então me dei conta da maneira lasciva como ela olhava para Tempi. 

_Que ousadia ficar tirando a roupa na casa de uma donzela neste horário sr. ademriano... _ brincou ela. 

Eu havia me esquecido de como Tempi não tinha problemas com nudez diante de terceiros. Aquilo fazia parte do modo como a cultura dele encarava a sexualidade. Resolvi iluminar a situação para ele. Com as mãos disse:

Vestir. Momento não apropriado. Diálogo sério. Atenção.

Ele me respondeu:

Mulher atraída por Tempi. Tempi atraído por mulher. Negar o desejo não é da Lethani.

Um dos momentos mais cômicos da minha vida? Talvez. Eu, um Ruh, estava ao lado de um grandalhão com uma vozinha cômica enfiado numa armadura, um esquisitão meio homem e meio máquina, uma trambiqueira de marca maior e um assassino profissional que tencionava se agarrar a esta última a qualquer instante. Realmente quis rir. Só faltou alguém começar a cantarolar “latoeiro curtumeiro”.

Mas não ri. Esvaziei meu pensar e entrei na Folha de Rodopio. Como encontrar um argumento aceitável a Tempi para que a reunião pudesse continuar em paz? Eu raciocinei sem regras, sem convenções, flutuando dentro da questão. Então vislumbrei a resposta. Disse a ele:

Grande malfeitor. Bárbaro de muito longe. Veio para estas terras não de navio. Seria descoberto. Veio pelo Ademre. Sem ser notado. Violou as fronteiras dos ademrianos. Desrespeitou Tempi e seu povo. Deixar uma afronta como esta passar não é da Lethani.

Tempi leu meus gestos atentamente. Depois que terminei ele ficou quieto por alguns segundos. Depois olhou por um breve momento para Devi, que roçava um dedo indicador nos lábios, voluptuosamente. Então olhou novamente para mim. 

Concordância respeitosa _ disse em adêmico.

Então limpou suor da testa, vestiu sua “camisa de sangue” e voltou a sua habitual inexpressividade. 

Devi me fulminou com os olhos, dizendo:

_Fique sabendo que eu percebi tudo. Quando finalmente aparece um homem aqui você, que me rejeitou mais de uma vez, trata logo de colocar sal em meu doce.

Francamente... 

Edward Elric passou a mão cinzenta pelo rosto, visivelmente desgastado.

_Sabem... possuo um amigo chamado Armstrong. Sempre achei que ele seria a pessoa mais estranha que eu encontraria na vida. Estava tremendamente errado. Vocês conseguem ser tão estranhos quanto ele. 

Todos ficaram em silêncio. Tempi se pôs do lado de Alphonse, atrás de nossas cadeiras. Devi se ajeitou, recruzou as pernas e voltou a mirar a nós quatro.

_Voltemos aos negócios. Ed, continue por favor.

_Obrigado. Como eu dizia... viemos para cá para descobrir o que estava acontecendo Após um exame mais detalhado do material encontrado em todas as cenas de crime chegamos à conclusão de que o responsável por estes crimes é o mesmo alquimista criminoso que a muitos anos atrás fugiu de uma prisão de segurança máxima de nosso país. Ele foi acusado de realizar transmutação humana e utilizava uma quimera que expelia uma substância que paralisava temporariamente todo o sistema nervoso para capturar suas vítimas com mais facilidade. Ele era identificado apenas como O Alquimista Sem Nome. 

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