A Roda de
Encanis ornamentava a entrada do edifício religioso assolado. Quando subíamos a
escadaria uma nuvem encobriu a lua. Mas ao adentrarmos na nave da igreja a
escuridão ficou para trás. Os archotes ao longo das paredes estavam acesos e
uma claridade laranja tomava tudo. Não se viam bancos de oração, destroços e
nem uma camada de poeira sobre o piso de mármore como poder-se-ia esperar
encontrar ali. Tudo estava estranhamente limpo. Então eu vi, um pouco mais
adiante de nós, desenhado no chão com tinta preta. Um enorme círculo de
transmutação, com cerca de vinte e três metros de diâmetro. Mas este era muito
diferente do que Alphonse usara na demonstração na casa de Devi. Este era
percorrido por uma predominância de linhas e formas geométricas mais curvas.
Havia nele também inscrições de runas de siglística avançada e outros inúmeros
caracteres cuja origem eu desconhecia. Mas o verdadeiro disparate daquele
grande símbolo era este: em seu interior haviam treze círculos internos menores
dispostos em circunferência dentre os quais doze tinham pessoas deitadas dentro
deles.
_Não
pode ser! _ proferiu Ed.
Mal _ gesticulou Tempi.
Mesmo sem entender completamente tudo aquilo
uma sensação apoderou-se de mim: temor.
_Tudo pode ser quando se conhece as regras
Edward Elric. _ disse uma voz. Uma que eu reconhecia.
Lá estava ele. Do outro lado do medonho
círculo alquímico. O mesmo homem mascarado que me abordara mais cedo na Eólica
naquela noite e com quem travara uma inusitada conversação! Senti como se o
chão sob meus pés desaparecesse. Não. Ele jamais fora um nobre interessado em
ser meu mecenas. Ele era o tempo todo O Alquimista Sem Nome sob disfarce! Como
eu pudera não ter me dado conta de seu fingimento! A maioria de suas palavras
fora carregada de ambiguidade. Ele não me oferecera nenhum patrocínio mas sim
um lugar como seu parceiro em seu esquema funesto.
Senti
inflamar-me.
_Bardo, que surpresa reencontrá-lo! _ provocou
o dissimulador_ Repensou e veio afinal cooperar com minha criatividade sem
fronteiras?
Desejei. Usei a força de minha raiva para
agigantar esse desejo. Desejo de ver. Foquei-me. Senti como se minha mente se
tornasse menos densa e meu saber pudesse penetrar as grossas camadas da
realidade. Então perscrutei-o. O oxigênio que preenchia meus pulmões e me
rodeava. Até que o contemplei. O nome
fundamental do elemento invisível. O nome do vento! Soube-o como nunca antes! O
nomeei e senti-me ganhar controle sobre seu sopro. Não podia deixar aquela
oportunidade passar. Dei-lhe uma ordem firme. Aconteceu. Uma fortíssima lufada
de ar atingiu O Sem Nome, arremessando-o dez metros para trás, como a um
boneco. Ele atingiu o chão de peito e permaneceu imóvel.
_O que foi isso?! _ indagou Ed _Você falou
esquisito e com uma sonoridade anormal!
_Chama-se
Nomeação. _ respondi.
_E como funciona?
_É bem complicado sabe. Amanhã explico-lhe
com mais calma.
_Isso se tivermos um amanhã... E então?
Matou o maldito com isto?
_Talvez tenha
dado essa sorte. Rápido, vamos retirar esses sujeitos de dentro do círculo de
transmutação! Devem ser os que foram sequestrados por ele!
Não. Oponente ainda vivo. _ gesticulou
Tempi para mim. O ademriano retirou uma pequena faca dos bolsos e a atirou no
círculo. Quando o objeto meramente adentrou o campo espacial da figura se
desfez em dezenas de pequenos retângulos, que desapareceram um instante depois.
Desintegração espontânea_ Desenho
maligno. Perigoso. _ comunicou o
mercenário. Tempi praticamente farejou aquele risco, sem ter a menor noção de
alquimia. A percepção daqueles lutadores era inacreditável.
Vimos o
Alquimista Sem Nome se pôr de pé lentamente. Sua máscara estava com uma
rachadura no meio. Ele se despiu de sua capa e a arremessou para a
esquerda. Com uma animação sinistra ele
disse:
_Ninguém pode frustrar meus planos agora! Tudo
está preparado! Só resta um “ingrediente” para que eu enfim possa obter o que
por todos estes longos anos venho perseguindo sem trégua!
Nosso inimigo retirou uma sineta cromada de um
dos bolsos. Havia também runas utilizadas em siglística avançada gravadas neste
objeto. Eu me lembrava vagamente de ter visto algumas delas em um trabalho de
mestre Kilvin. Não sabia interpretá-las ainda. Xinguei-me. O Sem Nome
chacoalhou a sineta e um som agudo, prolongado e com quê de não-natural soou.
Quando o eco do barulho desapareceu o “falso nobre” voltou a se pronunciar:
_Mesmo naquela cela fria da prisão de Amestris
nunca retrocedi em meus planos, jamais me dei por vencido! E esta noite tudo se
consumará! Eu realizarei a transmutação das transmutações e criarei algo que
transcende a própria Lei da Troca Equivalente!
Sua voz continuava enérgica como em nosso
diálogo na Eólica mas não conversava o mesmo tom de neutralidade. Agora havia
algo de maníaco presente nela.
_Não seja estúpido! _ vociferou Ed _ Se você
tem o mínimo conhecimento de alquimia deve saber que a Lei da Troca é absoluta!
Não há como anulá-la e tentar superála é garantia de insucesso. Meu irmão e eu
já deduzimos seu objetivo vil a algum tempo: você quer criar uma Pedra Filosofal!
Eu
quase podia ver a tensão corrente entre todos nós.
_Agora reconheço a que se deve a fama dos
Irmãos Elric! Há de fato inteligência em vocês! _ disse O Sem Nome secamente _
Mas vocês não cogitaram a real totalidade do que estou prestes a fazer. Nem
mesmo roçaram na ideia...
A
expressão de Ed ficou vazia. Péssimo indicativo. Engoli em seco e
perguntei:
_Ed...
o que é uma Pedra Filosofal?
Ed
me respondeu laconicamente, com os olhos presos ao sinistro círculo diante de
nós:
_É uma substância capaz de tornar alguém
praticamente imortal.
Minha mente deu um nó. Senti uma pitada de
fascínio que logo diluiu-se em meio a uma lancinante noção de preocupação.
Olhei para o círculo de transmutação, para as doze pessoas deitadas ali e para
o décimo terceiro círculo menor, desocupado. Uma onda maciça de associações
operou-se em minha mente e logo compreendi toda a estarrecedora realidade.
_Todos os sequestros que ocorreram em Imre nas
últimas semanas foram para que este desgraçado obtivesse o que é necessário
para transmutar uma Pedra Filosofal: vidas humanas. É isso não é Ed?
_Você
desvendou a matemática do problema Kvothe. _ respondeu Ed sombriamente.
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