sábado, 13 de agosto de 2016

Palavra de Aço - Capítulo 9: O plano vermelho



A Roda de Encanis ornamentava a entrada do edifício religioso assolado. Quando subíamos a escadaria uma nuvem encobriu a lua. Mas ao adentrarmos na nave da igreja a escuridão ficou para trás. Os archotes ao longo das paredes estavam acesos e uma claridade laranja tomava tudo. Não se viam bancos de oração, destroços e nem uma camada de poeira sobre o piso de mármore como poder-se-ia esperar encontrar ali. Tudo estava estranhamente limpo. Então eu vi, um pouco mais adiante de nós, desenhado no chão com tinta preta. Um enorme círculo de transmutação, com cerca de vinte e três metros de diâmetro. Mas este era muito diferente do que Alphonse usara na demonstração na casa de Devi. Este era percorrido por uma predominância de linhas e formas geométricas mais curvas. Havia nele também inscrições de runas de siglística avançada e outros inúmeros caracteres cuja origem eu desconhecia. Mas o verdadeiro disparate daquele grande símbolo era este: em seu interior haviam treze círculos internos menores dispostos em circunferência dentre os quais doze tinham pessoas deitadas dentro deles. 
            _Não pode ser! _ proferiu Ed.
             Mal _ gesticulou Tempi. 
 Mesmo sem entender completamente tudo aquilo uma sensação apoderou-se de mim: temor. 
 _Tudo pode ser quando se conhece as regras Edward Elric. _ disse uma voz. Uma que eu reconhecia. 
 Lá estava ele. Do outro lado do medonho círculo alquímico. O mesmo homem mascarado que me abordara mais cedo na Eólica naquela noite e com quem travara uma inusitada conversação! Senti como se o chão sob meus pés desaparecesse. Não. Ele jamais fora um nobre interessado em ser meu mecenas. Ele era o tempo todo O Alquimista Sem Nome sob disfarce! Como eu pudera não ter me dado conta de seu fingimento! A maioria de suas palavras fora carregada de ambiguidade. Ele não me oferecera nenhum patrocínio mas sim um lugar como seu parceiro em seu esquema funesto.
            Senti inflamar-me.
 _Bardo, que surpresa reencontrá-lo! _ provocou o dissimulador_ Repensou e veio afinal cooperar com minha criatividade sem fronteiras?
 Desejei. Usei a força de minha raiva para agigantar esse desejo. Desejo de ver. Foquei-me. Senti como se minha mente se tornasse menos densa e meu saber pudesse penetrar as grossas camadas da realidade. Então perscrutei-o. O oxigênio que preenchia meus pulmões e me rodeava. Até que o contemplei.  O nome fundamental do elemento invisível. O nome do vento! Soube-o como nunca antes! O nomeei e senti-me ganhar controle sobre seu sopro. Não podia deixar aquela oportunidade passar. Dei-lhe uma ordem firme. Aconteceu. Uma fortíssima lufada de ar atingiu O Sem Nome, arremessando-o dez metros para trás, como a um boneco. Ele atingiu o chão de peito e permaneceu imóvel.
 _O que foi isso?! _ indagou Ed _Você falou esquisito e com uma sonoridade anormal! 
            _Chama-se Nomeação. _ respondi.
_E como funciona?
_É bem complicado sabe. Amanhã explico-lhe com mais calma. 
_Isso se tivermos um amanhã... E então? Matou o maldito com isto? 
_Talvez tenha dado essa sorte. Rápido, vamos retirar esses sujeitos de dentro do círculo de transmutação! Devem ser os que foram sequestrados por ele! 
Não. Oponente ainda vivo. _ gesticulou Tempi para mim. O ademriano retirou uma pequena faca dos bolsos e a atirou no círculo. Quando o objeto meramente adentrou o campo espacial da figura se desfez em dezenas de pequenos retângulos, que desapareceram um instante depois. Desintegração espontânea_ Desenho maligno. Perigoso.   _ comunicou o mercenário. Tempi praticamente farejou aquele risco, sem ter a menor noção de alquimia. A percepção daqueles lutadores era inacreditável.
Vimos o Alquimista Sem Nome se pôr de pé lentamente. Sua máscara estava com uma rachadura no meio. Ele se despiu de sua capa e a arremessou para a esquerda.  Com uma animação sinistra ele disse:
 _Ninguém pode frustrar meus planos agora! Tudo está preparado! Só resta um “ingrediente” para que eu enfim possa obter o que por todos estes longos anos venho perseguindo sem trégua!
 Nosso inimigo retirou uma sineta cromada de um dos bolsos. Havia também runas utilizadas em siglística avançada gravadas neste objeto. Eu me lembrava vagamente de ter visto algumas delas em um trabalho de mestre Kilvin. Não sabia interpretá-las ainda. Xinguei-me. O Sem Nome chacoalhou a sineta e um som agudo, prolongado e com quê de não-natural soou. Quando o eco do barulho desapareceu o “falso nobre” voltou a se pronunciar:
 _Mesmo naquela cela fria da prisão de Amestris nunca retrocedi em meus planos, jamais me dei por vencido! E esta noite tudo se consumará! Eu realizarei a transmutação das transmutações e criarei algo que transcende a própria Lei da Troca Equivalente! 
 Sua voz continuava enérgica como em nosso diálogo na Eólica mas não conversava o mesmo tom de neutralidade. Agora havia algo de maníaco presente nela. 
 _Não seja estúpido! _ vociferou Ed _ Se você tem o mínimo conhecimento de alquimia deve saber que a Lei da Troca é absoluta! Não há como anulá-la e tentar superála é garantia de insucesso. Meu irmão e eu já deduzimos seu objetivo vil a algum tempo: você quer criar uma Pedra Filosofal!
            Eu quase podia ver a tensão corrente entre todos nós. 
 _Agora reconheço a que se deve a fama dos Irmãos Elric! Há de fato inteligência em vocês! _ disse O Sem Nome secamente _ Mas vocês não cogitaram a real totalidade do que estou prestes a fazer. Nem mesmo roçaram na ideia...
               A expressão de Ed ficou vazia. Péssimo indicativo. Engoli em seco e perguntei: 
            _Ed... o que é uma Pedra Filosofal?
            Ed me respondeu laconicamente, com os olhos presos ao sinistro círculo diante de nós:
_É uma substância capaz de tornar alguém praticamente imortal. 
 Minha mente deu um nó. Senti uma pitada de fascínio que logo diluiu-se em meio a uma lancinante noção de preocupação. Olhei para o círculo de transmutação, para as doze pessoas deitadas ali e para o décimo terceiro círculo menor, desocupado. Uma onda maciça de associações operou-se em minha mente e logo compreendi toda a estarrecedora realidade.
 _Todos os sequestros que ocorreram em Imre nas últimas semanas foram para que este desgraçado obtivesse o que é necessário para transmutar uma Pedra Filosofal: vidas humanas. É isso não é Ed?
            _Você desvendou a matemática do problema Kvothe. _ respondeu Ed sombriamente.

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